Nado e criado na ruralidade da aldeia, o Júlio foi crescendo entre lavras, alfaias, madrugadas no monte à caruma e ao mato, galinhas, porcos, vacas e tudo o mais que a mãe natureza fez criar. Próprio da infância, apenas algumas brincadeiras, de quando em quando, com a miudagem vizinha. Levantava-se à voz da mãe, por vezes ainda noite, e cumpria as tarefas que lhe estavam destinadas.
Pelos seis anos, estava um homem feito e o pai levou-o à escola. Assim num momento, acabara-lhe com a liberdade das corridas atrás dos garnisés, da subida às árvores, das brincadeiras com o Nero, um rafeiro por quem se tomara de amizades. A escola doía-lhe como as penas aos condenados e, talvez por isso, os primeiros dias foram mais difíceis, pouco habituado a longas quietudes e menos destro com lápis e cadernos. Bem mais à vontade estava com os caminhos para o campo, ou a descoberta dos ninhos que os manhosos melros insistiam em esconder nos silvados mais densos.
Os algarismos e letras, que a senhora professora queria muito redondinhas, desenhadas muito certinhas entre os dois riscos do caderno de linhas, uma tarefa gigantesca que o fazia transpirar do esforço a que o seu pouco jeito para a escrita, obrigava. E a malvada, sem piedade, insistia sempre nas letrinhas redondas, nos algarismos muito bem feitinhos; ele, esforçado para lhe fazer a vontade, inquietava-se na cadeira e contorcia-se na carteira, tentando obrigar aquela mão direita que mais parecia esquerda, a seguir as linhas mas, o lápis fugia-lhe e os traços saíam bicudos, uns acima outros abaixo, levando-o ao desespero.
E lá vinha ela outra vez fiscalizar o trabalho. Inquietou-se e uns pingos de suor rolaram espinha abaixo. Torcido em cima da carteira, ansioso no aperfeiçoamento da caligrafia, o Júlio, fora de si, exclamou alto e bom-som: Caralho, qu’isto é difícil!
Fez-se um breve silêncio na sala, antes de cair o Carmo e a Trindade. A tez da professora avermelhou-se e esta avançou ameaçadoramente para o Júlio. E disse-lhe das boas; que era um malcriado, que tais coisas se não diziam, que nunca tinha ouvido coisa assim, que faria queixa a seu pai, que seria castigado, que lhe não admitia que dissesse asneiras. Um ralhete assim, como nunca, ele tinha levado.
Atónito, olhos esbugalhados, o Júlio não atinava a razão de tanta zanga. Olhos fixos na professora, crescia a vergonha no riso escarninho dos colegas. Mas que fizera, que dissera ele para provocar tal desacato? Por entre o burburinho, tentou explicar-se; encheu o peito de coragem, encarou a mestra e disse-lhe: A senhora professora que me desculpe mas, também não era preciso tanto; foda-se que eu nem sabia que caralho era asneira!
Cumprimentos.
Começo por dizer que gostei muito da leitura deste blog. Acho que há aqui matéria para um livro. Eu próprio escrevo sobre as vivências da ruralidade da nossa terra cheia de histórias que devem continuar a ser reveladas aos mais novos.
Parabéns pelos trabalhos
M. Araújo